Comunicação Não Violenta: Princípios e Aplicações no Dia a Dia
- Iasmin Montini
- há 1 dia
- 10 min de leitura
A Comunicação Não Violenta (CNV), desenvolvida pelo psicólogo Marshall Rosenberg, transcende a ideia de um mero conjunto de técnicas de fala; é, na verdade, um poderoso modelo de comunicação, um modo de ser, de pensar e de viver. O processo é baseado em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem nossa capacidade de permanecermos humanos, mesmo em condições adversas.
A CNV se destaca por sua fundamental intimidade com a complexidade da natureza humana e visa inspirar conexões sinceras entre as pessoas. Seu propósito é garantir que as necessidades de todos sejam atendidas por meio da doação compassiva. Isso implica em uma comunicação consciente, fundamentada na empatia, na autenticidade e no foco nas necessidades universais.
A CNV nos guia a focar em duas perguntas essenciais:
O que está vivo em nós? (Ou o que está vivo em mim/você?): Essa pergunta nos convida a reconhecer nossos sentimentos e necessidades no momento presente. Ao identificar o que realmente se passa dentro de nós, podemos nos comunicar com mais autenticidade e empatia, sem julgamentos ou acusações.
O que podemos fazer para tornar a vida mais maravilhosa? (Ou o que você pode fazer para tornar minha vida mais maravilhosa?): Depois de reconhecer o que sentimos e precisamos, buscamos ações que nutram a vida — a nossa e a do outro. Essa pergunta orienta a CNV para pedidos claros e empáticos, promovendo conexão e cooperação nas relações.
A seguir, exploramos os princípios fundamentais da CNV e como eles são aplicados no dia a dia a partir das perguntas essenciais.

O Propósito da Comunicação Não Violenta: A Linguagem da Compaixão e da Conexão
A CNV pode ser entendida como uma prática espiritual que nos mantém conectados à nossa vida interior e à vida que os outros manifestam. A espiritualidade incorporada à CNV, então, não tem o propósito estrito de nos conectar com o divino; mas provém da energia divina da qual somos constituídos: nossa energia natural de servir à vida.
O propósito primordial da CNV é criar uma qualidade de conexão que favoreça ações compassivas. Isso significa que todas as ações devem decorrer unicamente do propósito de desejar contribuir para o próprio bem-estar e o dos outros. A CNV nos ajuda a nos conectarmos uns com os outros, permitindo que a nossa natureza humanizada se manifeste no modo como contribuímos.
O Bloqueio da Compaixão
A Comunicação Não Violenta se baseia na constatação de que fomos programados culturalmente a pensar e nos comunicar de um jeito diferente do que está vivo em nós enquanto seres humanos. Essa programação envolve o uso de julgamentos moralizadores que subentendem uma natureza errada ou maligna nas pessoas que não agem em consonância com nossos valores.
A comunicação alienante da vida inclui o uso de rótulos, críticas, comparações, diagnósticos e a comunicação de nossos desejos como exigências. Esses erros de comunicação atrapalham a conexão, criam mal-entendidos e frustração e podem gerar raiva e dor, levando à violência e à reatividade.
A CNV é uma ferramenta para superar esse treinamento cultural, ensinando-nos a expressar e a ouvir, concentrando-nos no que está vivo em nós e no outro, em vez de nos concentrarmos em rótulos desumanizadores ou padrões habituais. Isso torna as nossas relações interpessoais mais sinceras e incentiva o desenvolvimento da nossa inteligência emocional.
O “Poder Com” na Comunicação Não Violenta
A CNV adota a tática do “poder com” em vez do “poder sobre”. O poder com permite que as pessoas ajam de bom grado por perceberem que contribuirão para o bem-estar de todos.
Criamos mais poder com as pessoas na medida em que demonstramos que o grau de interesse que temos por suas necessidades é o mesmo que temos pelas nossas. Em contraste, a tática do “poder sobre” (usando castigos ou prêmios) tem um custo indireto, revelado em problemas como insatisfação geral e violência.
Exemplo: Um líder percebe que o trabalho entregue por um colaborador não está de acordo com o nível de qualidade esperado pela empresa.
Poder Sobre: “Você vai refazer isso agora, sem discussão. E se acontecer de novo, vai ter consequência.” – Nesse caso, o líder usa o poder para controlar o outro por meio do medo ou da punição. O foco está em impor obediência, não em aprendizado ou colaboração.
Poder Com: “Percebi que o resultado do trabalho foi diferente do planejado. Você consegue me contar o que aconteceu para entendermos juntos como evitar isso nas próximas?” – Aqui, o líder usa o poder de forma compartilhada, buscando compreender e envolver o colaborador na solução. O foco é no crescimento mútuo e na responsabilidade conjunta.
Os Quatro Componentes Essenciais da Comunicação Não Violenta
Para chegar ao mútuo desejo de nos entregarmos de coração, a CNV concentra a consciência em quatro componentes que nos mostram como colocar em prática essa forma mais humana de se comunicar. Eles funcionam como um guia para transformar intenções empáticas em expressões assertivas e cuidadosas, favorecendo o entendimento mútuo e a conexão genuína nas relações.
1. Observação
O primeiro passo é observar o que está de fato acontecendo em uma situação — o que os outros dizem ou fazem que é enriquecedor ou não para nossa vida. É fundamental ser capaz de articular essa observação livre de qualquer avaliação ou julgamento. Ou seja, apontar o acontecimento de forma concreta, expressando o que de fato aconteceu.
Ao combinarmos a observação com a avaliação, diminuímos a probabilidade de que os outros ouçam a mensagem, pois é provável que a escutem como crítica e, assim, resistam ao que dizemos. A CNV é uma linguagem dinâmica que desestimula generalizações estáticas, exigindo que as observações sejam feitas de modo específico, para um tempo e um contexto determinados.
Observação com Avaliação: “Você sempre se atrasa e não tem consideração com os outros.” – Aqui há julgamento e generalização (“sempre” e “não tem consideração”), o que tende a gerar defesa ou conflito.
Observação na CNV: “Notei que você chegou 20 minutos depois do horário combinado nas duas últimas reuniões.” – Aqui há apenas descrição do que foi visto ou ouvido, sem rótulos. Essa forma abre espaço para o diálogo e para a empatia, em vez de acusação.
2. Sentimento
Após a observação do ocorrido, identificamos como nos sentimos em relação a ele (magoados, assustados, alegres, irritados, etc.). Desenvolver um vocabulário de sentimentos que nos permita nomear ou identificar de forma clara e específica nossas emoções nos conecta mais facilmente uns com os outros.
A expressão dos sentimentos verdadeiros deve ser distinguida de palavras e afirmações que descrevem pensamentos, avaliações e interpretações. Expressar nossa vulnerabilidade por meio dos sentimentos pode ajudar a resolver conflitos.
Sentimento Interpretado: “Eu me sinto ignorado quando você chega atrasado.” – Apesar de parecer um sentimento, “ignorado” é uma interpretação sobre a atitude do outro, não uma emoção genuína. Essa forma ainda implícita uma acusação.
Sentimento na CNV: “Eu me sinto frustrado e desanimado quando você chega depois do horário combinado.” – Aqui há contato real com a emoção, sem culpar o outro. A fala expressa o que está vivo em quem fala, abrindo espaço para empatia e compreensão.
3. Necessidades
O terceiro componente é o reconhecimento das necessidades (valores, desejos) que estão por trás dos nossos sentimentos e que são iguais para todos. As necessidades podem ser consideradas recursos exigidos pela vida para que ela possa se sustentar (ex.: compreensão, apoio, descanso, significado).
Um conceito básico da CNV é que o que os outros dizem e fazem pode ser o estímulo, mas nunca a causa dos nossos sentimentos. Nossos sentimentos resultam de como escolhemos receber o que os outros dizem e fazem, bem como de nossas necessidades e expectativas específicas naquele momento.
Quando expressamos nossas necessidades indiretamente, através de exigências, interpretações e críticas, é provável que os outros se defendam ou contra-ataquem.
Necessidade como Exigência: “Você precisa começar a respeitar mais meu tempo.” – Aqui há uma exigência e foco no comportamento do outro, não na necessidade genuína de quem fala.
Necessidade na CNV: “Eu me sinto frustrado porque tenho necessidade de pontualidade e de respeito aos acordos que combinamos.” – Nessa forma, a pessoa assume a responsabilidade pelo próprio sentimento e revela o que é importante para ela, sem atacar o outro. Isso favorece empatia e colaboração.
4. Pedido
O quarto componente aborda o que desejamos pedir aos outros para enriquecer nossa vida. Ou seja, aquilo que desejamos para suprir as nossas necessidades reconhecidas frente aos sentimentos observados. O pedido da CNV envolve:
Linguagem de Ação Positiva: O pedido deve ser formulado em uma linguagem de ação positiva, expressando o que desejamos que a outra pessoa faça, em oposição a dizer o que ela não deve fazer. As pessoas reagem de um jeito diferente quando lhes pedimos claramente o que desejamos, em vez de expressarmos o que não queremos.
Pedido Claro e Específico: Devemos evitar frases vagas, abstratas ou ambíguas. Quanto mais claros formos a respeito do que queremos, mais provável será que o consigamos.
Pedido versus Exigência: Pedidos são recebidos como exigências quando os ouvintes acreditam que serão culpados ou punidos se não os atenderem. Para que as pessoas acreditem que se trata de um pedido, precisam saber que podem discordar e ser compreendidas em sua discordância. Se o objetivo é apenas mudar o comportamento do outro por medo, a CNV não é uma ferramenta apropriada.
Pedido Vago: “Tente não se atrasar mais.” – É vago e soa como uma ordem ou crítica, sem indicar claramente o que se espera nem abrir espaço para diálogo.
Pedido na CNV: “Você poderia me avisar com antecedência se perceber que vai se atrasar, para que eu possa me organizar melhor?” – Aqui o pedido é específico, viável e respeitoso, convidando o outro à cooperação e mantendo viva a conexão entre ambos.
Comunicação Não Violenta em Ação: Aplicações no Dia a Dia
A CNV se aplica de maneira eficaz a todos os níveis de comunicação, como relacionamentos íntimos, famílias, escolas, organizações e conflitos. Por isso, é possível estender a sua aplicação para diversos momentos e situações.
Escuta Empática e a Paráfrase
Grande parte dos princípios da CNV envolve aprender a receber com empatia as mensagens dos outros. Não importa que palavras as pessoas usem para se expressar, procuramos escutar suas observações, sentimentos, necessidades e pedidos.
Ouvir a Necessidade: Não ouvimos julgamentos, críticas nem ataques, mas sim a expressão patética de uma necessidade não atendida. Por trás de todas as mensagens que nos intimidam estão simples indivíduos com necessidades não atendidas.
A Paráfrase: Para receber com empatia, podemos repetir com as nossas próprias palavras o que ouvimos. Isso tem o duplo propósito de conferir se você entendeu e de mostrar que você escutou, o que ajuda a desarmar um ataque iminente.
Lidando com o "Não": Quando alguém diz "Não" ou "Não quero", isso é apenas um jeito de nos informar o que realmente quer; ou seja, existe uma necessidade que não está sendo atendida por nossa estratégia. É crucial ouvir o que o outro precisa por trás do "não" para descobrir uma brecha para satisfazer a todos.
Evitando Conselhos: Muitas vezes, é frustrante alguém precisar de empatia e presumirmos que essa pessoa precisa de encorajamento ou conselhos "para consertar a situação". É preciso manter a empatia, permitindo que os outros tenham ampla oportunidade de se expressar antes de começar a propor soluções.
Lidando com a Raiva e o Conflito
Os conflitos, assim como as reatividade nas conversas podem ser um grande empecilho na demonstração da nossa humanidade e compaixão. Por isso, a CNV oferece uma abordagem poderosa para lidar com a raiva em conversas difíceis. Em vez de ignorar, sufocar ou engolir a raiva, a CNV busca expressá-la completamente e de todo o coração.
Raiva como Alerta: A raiva é um alerta valioso que nos diz que estamos pensando de um modo que provavelmente não atenderá à nossa necessidade. Perceber o que está por trás da raiva é o primeiro passo para superá-la.
Causa da Raiva: A raiva não é causada pelo que os outros fazem (o estímulo ou gatilho), mas sim pela nossa avaliação do que foi feito. Essa avaliação geralmente assume a forma de julgamentos que insinuam que os outros estão errados ou são malignos.
Os Quatro Passos da Comunicação Não Violenta para lidar com a Raiva:
Parar e Respirar: Ter consciência de que o estímulo não é a causa da raiva.
Identificar o Julgamento: Identificar os pensamentos que estão julgando as pessoas.
Conectar-se à Necessidade: Conectar-se às necessidades não atendidas por trás do julgamento. A raiva se transforma em tristeza, frustração ou dor ao fazer isso.
Expressar Sentimentos e Pedidos: Expressar nossos sentimentos (transformados) e necessidades não atendidas, seguidos de pedidos claros.
Autoempatia e Crescimento Pessoal
A aplicação mais decisiva da CNV talvez seja na maneira como tratamos a nós mesmos. A autoempatia é crucial para o crescimento; afinal, como podemos ser compassivos com os outros se não conseguirmos fazê-lo por nós mesmos?
Evitar a Autoculpabilização: Ao cometermos erros, usamos a CNV para nos avaliar de maneira que ajude a aprender, em vez de gerar ódio por nós mesmos.
Perdão de Si Mesmo: A autoempatia na CNV envolve conectar-se com os sentimentos e necessidades não atendidas que foram estimulados por ações passadas pelas quais agora nos arrependemos. Em seguida, voltamos a atenção à parte de nós que escolheu agir daquela maneira, perguntando: "Qual de minhas necessidades eu buscava atender?". Acreditamos que os seres humanos estão sempre a serviço de necessidades e valores.
Libertação de Rótulos: Na CNV, não existe verbo "ser" para classificar pessoas de forma estática (ex.: "Sou preguiçoso", "Sou burro"). Em vez disso, pensamos momento a momento sobre "Qual é a vida que está acontecendo em mim neste momento?".
Desenvolva a Comunicação Não Violenta
Em resumo, a Comunicação Não Violenta é uma integração de pensamento e linguagem que nos aproxima de nossa natureza compassiva. Embora possa ser desafiadora de aplicar inicialmente, exige treino, treino, treino. O objetivo não é a perfeição, mas conseguir aproveitar cada "erro" como uma oportunidade de aprendizado.
Ao praticarmos a CNV, estamos construindo um mundo interior e exterior que apoia e sustenta a paz. E você, quer participar dessa rede de compaixão? Então confira os nossos conteúdos para desenvolver a suas habilidades na CNV:
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